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sexta-feira, janeiro 27

Ganhadores do Nobel alertam sobre efeito da austeridade na Europa

Pessimistas eles falam também da dificuldade de reformas.


DAVOS - Dois prêmios Nobel de Economia, Joseph Stiglitz e Michael Spence, concordam: o euro pode ser salvo. Mas Stiglitz afirma que, ao apostar na austeridade, os líderes europeus estão indo na direção errada e oposta do que tem que ser feito para salvar a moeda. E Spence alerta: para o euro sobreviver, "muita coisa tem que acontecer", entre elas, uma reforma bem-sucedida da Itália e da Espanha. Davos, o maior encontro de líderes políticos e empresariais, abriu ontem marcado pela crise e num clima de pessimismo tão grande que, pela primeira vez, admitiu-se o fracasso do atual modelo de capitalismo. Em entrevistas exclusivas, concedidas separadamente ao GLOBO, Stiglitz e Spence eram o retrato deste pessimismo. O primeiro prevê que a situação da Europa vai piorar. Já o segundo aponta para erros passados e diz que a agenda da Europa é complicada. "Vamos ver", reagiu. Sobre o Brasil, os dois estão convencidos de que, na pior das hipóteses, só vai desacelerar o crescimento.




O GLOBO: O euro pode ser salvo?

JOSEPH STIGLITZ: Certamente, se os líderes políticos fizerem agora a coisa certa. O problema é que não estão fazendo. Decidiram, em dezembro, um quadro de austeridade, que não é a solução. O pacto fiscal não vai nem prever outra crise, porque é parte da crise. A Europa não diagnosticou corretamente o último problema. Agora, imaginar que vão corrigir o atual e prevenir um próximo Acho que vai piorar. A economia (europeia) vai enfraquecer com a austeridade.

MICHAEL SPENCE: Acho que sim. Mas muita coisa tem de acontecer para ele ser salvo. Itália e Espanha têm de ser reformadas com sucesso. O Banco Central Europeu está resgatando os bancos que perderam capital. E suspeito que a União Europeia, o fundo de estabilidade e o FMI vão ter que intervir nos mercados de dívidas para impedir que os juros subam muito. Mas não estão preparados para dizer que farão isso. O caminho é longo para estabilizar o euro. Muita coisa pode dar errado. E não acho que o desempenho econômico (da Europa) será bom nos próximos anos, pelo menos, durante dois anos. E as coisas podem ir mal nesse caminho.

O que pôs a Europa nessa confusão? Falta de governança econômica?

STIGLITZ: O real problema é o quadro institucional e intelectual, de como o euro foi pensado desde o início. Pensaram que tudo o que precisava ser feito era os governos terem disciplina fiscal. Mas os mercados financeiros tiraram proveito do euro e, irracionalmente, foram para a Espanha, imaginando que a moeda única significava poder emprestar dinheiro a qualquer pessoa, com a mesma taxa de risco. Ajudaram a criar uma bolha. Aprendemos o seguinte: é preciso muito mais que disciplina fiscal para criar uma moeda única.

SPENCE: Nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Espanha, o sistema financeiro permitiu o crescimento da dívida privada, no sistema financeiro e das familias. E, quando a crise chegou, muito dessa dívida passou para o setor público. O efeito foi: sustentaram economias insustentáveis. Isso fez parecer que o euro estava funcionando, que as dívidas soberanas eram parecidas, quando não eram. Um fator que contribuiu para a crise foi logo no começo. Criaram uma união monetária sem centralização fiscal. Muita gente disse que isso era um erro e criava uma situação instável. Mas a resposta dos europeus foi: sabemos disso, mas vamos fazer a união monetária primeiro e depois completar com uma união mais política. Isso não aconteceu.

Foi um erro criar o euro?

STIGLITZ: Foi errado criar o euro sem uma estrutura institucional adequada. A esperança era que criariam mais tarde. Mas isso não aconteceu. E o problema é visto nas discussões atuais. Alguns líderes europeus parecem não entender que austeridade não é a única coisa necessária para fazer uma moeda funcionar. Pode ser um ingrediente importante, mas não é suficiente.

SPENCE: Teriam feito melhor se tivessem criado o euro paralelamente à centralização fiscal. Agora, a chanceler Angela Merkel está insistindo em que seja feita a reforma institucional e a centralização no mesmo momento em que tentam estabilizar o euro. Isso é uma agenda complicada.

Até quando os emergentes, como Brasil e China, podem resistir à crise?

STIGLITZ: A China tem recursos enormes e um compromisso de manter o crescimento. Eles têm os instrumentos, os recursos e a estrutura política para assegurar que poderão compensar uma queda na demanda do exterior. A China vai continuar a crescer, talvez um pouco menos. Para o Brasil, o que acontece na China é mais importante que nos Estados Unidos. O Brasil está relativamente em boa forma e não é dependente da Europa. O país desacelerou, mas se beneficiou dos altos preços do minério de ferro. Se o crescimento (chinês) desacelerar, mesmo alguns pontos percentuais, sempre haverá demanda por minério, mas não de modo a elevar os preços. Nesse sentido o Brasil pode sofrer um impacto.

SPENCE: Grandes emergentes, como China, Brasil e Índia, podem ir muito bem se os países ricos tiverem crescimento baixo ou não crescerem. Mas, se houver retração ou uma instabilidade extrema no sistema financeiro, que cause declínio na demanda doméstica, então acho que as economias emergentes vão desacelerar por um tempo. Mas não vai provocar uma retração: só desacelerar. A economia brasileira me parece estar em muito boa forma. É estável, tem níveis razoáveis de dívida, e o crescimento é um equilíbrio entre dinamismo e inclusão social. A educação está melhorando. Acho que o Brasil está num caminho de crescimento sustentado. Todo mundo com quem falo na comunidade empresarial está entusiasmado com oportunidades no Brasil. A economia está bem resistente (à crise).

Davos, pela primeira vez, discute o fracasso do capitalismo. Há um novo modelo, radicalmente diferente, sendo pensado ou emergindo?

STIGLITZ: O mais espantoso é que, quase quatro anos depois do início da crise, em 2008, as mudanças foram relativamente pequenas. O sistema bancário ainda está frágil. Olhando para trás, diria que não aprendemos qualquer lição. Melhoramos um pouco a regulação, mas não o suficiente: falta transparência. Mudamos o encanamento, mas não fizemos uma verdadeira reforma. Enquanto isso, a desigualdade aumenta nos EUA, e as únicas pessoas que estão bem no país são as que causaram o problema. A renda média de um trabalhador americano hoje é um terço do que era há um século. O que vai mudar isso? Uma crise maior ou reivindicações democráticas. Em algum ponto a esperança (das pessoas) vai acabar. Nossas democracias são imperfeitas. O dinheiro fala mais alto que as pessoas.

SPENCE: Não... Também não acho que isso seja papo-furado. Mas acho que é enganador questionar o capitalismo. Sabemos que o capitalismo tem grandes méritos em relação a outros (modelos), promove eficiência, inovação e crescimento. Também aprendemos que os mercados não são, por si só, particularmente bons em estabilidade, distribuição e sustentabilidade. Precisamos, então, de um papel limitado para um capitalismo de Estado. Isto é, um Estado competente e eficaz, capaz de absorver choques e investir em mudanças estruturais para que a economia mundial se movimente corretamente, de incluir as pessoas e lidar com a questão da distribuição. Nos países em desenvolvimento estamos vendo um padrão de (maior) presença do Estado (na economia). E acho que isso está funcionando, apesar de alguns erros. Eu diria aos líderes emergentes: vocês são muito vulneráveis num modelo com pouca presença do Estado. Mantenham a mistura (Estado e setor privado).  



Fonte: oglobo.com

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